sexta-feira, 30 de abril de 2010

Por não estarem distraídos

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.
No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.
Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.


(Clarice Lispector)

sábado, 24 de abril de 2010

Quantas pessoas conhecem você?

Quem te conhece?
Quem realmente sabe quem você é por inteiro?

Cheguei à conclusão que ninguém sabe quem sou. E quando eu digo ninguém, me incluo também.

Meus pais, por exemplo, me conhecem muito bem. Eles me sabem filha. Mas desta filha eles não conhecem muita coisa... muitas convicções, muitos pensamentos, muitos planos. Não porque não tenha liberdade de falar com eles, mas porque há coisas que não preciso dizer.

Os amigos criam diferentes versões de nós. Minha amiguinha da segunda série conhece apenas uma versão pequena. Os amigos de colégio conhecem uma outra versão, bem diferente da conhecida pelas amizades de faculdade (pelas amizades, não pelos "colegas de classe". Estes sabem apenas meu curso e nome, e olhe lá.).

No trabalho, tenho duas versões: amiga (sim, eu tenho amigos muito queridos no ambiente de trabalho) e profissional.

Existem algumas pessoas de quem não consigo me esconder, mesmo quando me esforço. Tenho uma amiga assim. Ela conhece até as versões que eu tento esconder... percebe o TOM que estou usando em um bate-papo na internet e vê que não estou bem. Ela me assusta! E eu amo isso!

No amor, eu encontrei quem me conhece melhor. Quem conhece mesmo as versões que eu não sabia exercer. Ele também não me conhece por inteiro, mas com certeza me conhece, talvez até melhor que eu! O lado ruim é que ele também conhece as minhas versões de teste, as não muito legais, as que têm falha.... O lado bom é que ele aceita todas e me mostra qualidades em versões que eu não aceitava que pudessem ser boas.

E eu, bem, eu não me conheço por inteiro, mesmo. Nunca vou conseguir conhecer. Cada vez que me acostumo com o eu atual, chega um detalhe que o altera e me torno outra, me surpreendendo. Assim, vou crescendo, me conhecendo, me descobrindo. Às vezes gosto, às vezes, não. Mas, mesmo que eu mude aquilo de que não gosto, isso persiste, existe em mim. E eu existo sendo a versão anterior somada àquele novo ingrediente.


Não, ninguém me conhece nem nunca vai conhecer. Mas não há nada melhor do que esse processo de identificação, principalmente quando partilhamos com pessoas queridas e encontramos muitas delas no caminho. É surpreendente o que as pessoas podem revelar de nós.

sábado, 17 de abril de 2010

A colheita de hoje.

Há quanto tempo você não vê uma borboleta?

Pois é... eu me lembro de que quando era pequena, as via muito mais frequentemente, em vários lugares diferentes. Mas hoje é muito difícil vê-las por aí, voando traquilas. A não ser em bairros bem arborizados, com muitas flores.

Hoje, uma, grande e colorida de azul e preto, veio me falar.
Me deu seu recado enquanto dançava sua dança, leve como só uma borboleta sabe ser.
Havia outras como ela, mas nenhuma tão mágica. Em horas como essa eu lembro da força que tem minha relação com borboletas.
Queria mais delas pelo mundo, com mais recados dados.

Depois desse recado, que espero ter entendido bem, um nó chegou à minha garganta e uma incível leveza ao meu dia.



Borboleta parece flor que o vento tirou pra dançar." (O Teatro Mágico)

segunda-feira, 5 de abril de 2010


Às vezes, ser a mulher coragem cansa de um jeito... Ser a que tem sempre um jeito pra tudo, uma palavra de consolo, um abraço pra abraçar.

Tem horas em que dá vontade de deitar na cama que tem o nosso cheirinho, o nosso ursinho de pelúcia, o nosso travesseiro, e ficar lá enroscadíssima em posição fetal, ouvindo as músicas de que gostamos. Ou de ficar num colinho confortável, recebendo cafuné, sem falar nada. Pedir pro mundo fazer silêncio porque o barulho não dá mais.

O motivo não interessa. Pode ser bocó, supérfluo, sem graça, pequeno, mas é nosso motivo. Nós sabemos por que faz sentido sentir.

Mas, como não dá pra fazer nada disso, como temos que simplesmente acordar e viver, e sorrir pro mundo, sem cama, sem ursinho, sem colinho, sem cafuné, sem silêncio... com licença, vou vestir minha fantasia e ser "gente grande".

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Amigo

Tem amigo que é amigo desde antes de você nascer... quando você ainda está na barriga da sua mãe e ele na da mãe dele;
Tem amigo de infância, que você conhece pequenininho e compartilha momentos tão incríveis que serão lembrados pelo resto da vida;
Tem amigo que você conhece onde e quando menos espera, e ele se mostra o mais fiel;
Tem amigo que não tem nada a ver com você, mas com quem se pode aprender muito;
Tem amigo que é quase você;
Tem ainda aquele amigo que te dá vários conselhos sobre coisas que nunca vão acontecer;
Tem amigo que cuida de você;
Tem amigo de quem você cuida;
Tem amigos com quem se tem uma coisa, apenas, em comum, e, no momento em que esse detalhe é dividido com eles, você reconhece quase irmãos;
Tem amigos que são amigos dos seus amigos;
Tem amigos que você não vê há anos, mas lembra com muito carinho de tudo que passou;
Tem amigo que você nunca viu ou tocou, mas que, mesmo à distância, sabem dar aquele abraço quando você precisa;
Tem amigo de colégio;
Tem amigo de faculdade;
Tem amigo de trabalho;
Tem amigo de música, de sonho, de caminhada...

Tem amigo pra tudo.

Eu tenho muitos amigos. Alguns não vejo há anos.
Mas amizade de verdade nunca acaba. Persiste no existir da memória, nas lembranças dos momentos que foram divididos.

A amizade é um sentimento que continua.
No patins que aquela amiga da segunda série ensinou a andar, na Ilha Fiscal em que uma amiga fez passar a melhor vergonha, no show em que aqueles amigos gritaram junto, na força daquela amiga que impediu de cair, no comemorar da gravidez daquela amiga querida, em cada detalhe, em cada parte de ser que um amigo ajudou a construir...

Para todos esses amigos que passaram na minha vida e, em especial, para os que permanecem: Obrigada!




"A amizade é um amor que nunca morre" (Quintana)