quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sobre a avó internada.

Daí hoje minha mãe me ligou pra dizer que minha avó materna está internada com pneumonia. Desde ontem. Minha primeira reação foi brigar por ela não ter me contado antes - ela não aprende que me esconder as coisas não é necessariamente me proteger? já passamos por isso antes.... -, e depois foi a sensação de não saber exatamente o que pensar ou sentir com isso.

Explico: tenho 24 anos, e há dois é que comecei a falar com a minha avó materna. A avó de quem ouvi coisas que não desejo que criança nenhuma ouça, que dirá ouvir da boca de sua avó. A avó que pôs a filha na justiça, tentando tomar-lhe o direito da casa. A avó que sempre morou na casa embaixo da minha. A avó por quem passei todos os dias, chegando ou saindo, sem cumprimentar, sem sequer olhar. A avó que sempre, apesar de perto, foi um buraco na minha vida. A "velha", como a chamávamos devido às dores que se ligavam a ela.
A vó Maria. Do cabelo cinza e dos olhos verdes (avermelhados agora pelas irritações e catarata). A vó que há cerca de dois anos me pediu perdão por tudo, dizendo que "a gente não sabe o que diz", e eu respondendo que "Deus sabe o que faz". A vó por quem minha mãe pedia todos os dias, rezando para que ela "se arrependesse ainda em vida, porque depois da morte não se poderia perdoar mais nada". A vó que vive para ver realizado o sonho que eu tinha de ver paz no quintal em que morava com minha família.
Há dois anos eu dei o primeiro abraço da minha vida nessa avó. E, desde então, ela vem fazendo o possível pra tentar, de alguma forma meio desastrada, "compensar", se possível, o tempo em que esteve ausente. Desde levar melancia pra eu comer até me dar perfumes, dizendo que tinha comprado pra ela mas não tinha gostado do cheiro (soube que eu amo perfumes). Nos últimos dois anos, a vó Maria tentou descobrir quem eu era, disse que se orgulhava de quem eu tinha me tornado e que se arrependia de não ter acompanhado meu crescimento. Nesses dois anos, o processo que havia na justiça simplesmente sumiu, sem deixar pistas, e ninguém fez questão de encontrá-lo novamente.

Daí a confusão que eu tive... Confusão que agora aceitei que é um certo desespero. Faz dois anos que minha vozinha "nasceu", faz muito pouco tempo que a tenho comigo, não quero perdê-la. Não posso perdê-la. E estou em pânico com essa pneumonia que chega pra essa velhinha enfraquecida, que reclama da vida e chora por estar doentinha, por ter que operar os olhos, por não ter tido os netos e bisnetos a seu redor antes...
E o que estou sentindo é a consciência do amor que tive tempo de criar pela minha vó Maria. A consciência de que quero que ela ainda esteja por perto durante muito tempo. A consciência de um medo, um pavor e uma dor absurda por saber que minha velhinha frágil está sozinha num hospital frio, que não permite que ninguém esteja com ela, segurando sua mão e dizendo que vai ficar tudo bem. Mesmo que haja dúvida. Mesmo que haja medo. Mesmo que haja memória. Que haja amor.
Que essa velhinha possa voltar logo pra casa, pra reclamar da barriga inchada, dos olhos irritados, da manicure que pintou suas unhas de uma cor muito feia, do peixe sem sal que sua outra filha, minha tia (essa eu ainda estranho chamar assim), faz todos os dias pra ela... Que volte pra continuar sendo a minha vó, a bivovó do Gustavo e do Andrezinho e a mãe que tanta falta fez pra minha mãe.